quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

140

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

139

domingo, 26 de dezembro de 2010

138

sábado, 25 de dezembro de 2010

137

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

136

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

135

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

134

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

133

domingo, 19 de dezembro de 2010

132

sábado, 18 de dezembro de 2010

131

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

130

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

129

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

128

Encontre mais artistas como Lehgau-Z em Myspace Music

domingo, 12 de dezembro de 2010

127

sábado, 11 de dezembro de 2010

126

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

125

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

124

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

123

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

122

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

121

domingo, 5 de dezembro de 2010

120

sábado, 4 de dezembro de 2010

119

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

118

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

117

terça-feira, 30 de novembro de 2010

116

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

115

domingo, 28 de novembro de 2010

114

sábado, 27 de novembro de 2010

113

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

112

Eu te trocaria, brincando

Por um pote jumbo de Nutella

Comeria tudo escondido

Ficaria enjoado

Da vida ao teu lado

E te chamaria para meu Epocler



Ah mulher

Só tu és o meu Epocler

Ah mulher

Eu comeria tudo

E lamberia ainda...

A colher



Ah mulher

Só tu és o meu Epocler

Ah mulher

Eu comeria tudo

E lamberia ainda...

A colher



E tu me farias cafuné

Até ele ficar de pé

O Juvenal

Vive passando mal

O meu joelho

Só me trai

Eu te aconselho

Some, vai



Ah mulher

Tu és o meu Epocler

Ah mulher

Eu comeria tudo

E lamberia ainda...

A colher

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

111

Eu não sei o nome dos acordes

Não, não é mera pretensão

Não sei se você me entende

Eu toco em outra afinação



Me pergunto se você é realmente bonita

E se esta é mesmo a questão

Não sei se você me entende

Eu toco em outra afinação



Ando deslocado ao seu lado

Não sei se é fé ou devoção

Não sei se você me entende

Eu toco em outra afinação



Eu nunca mais serei eu mesmo

Desde que de mim lancei mão

Não sei se você me entende

Eu toco em outra afinação



Minha camiseta tá do lado do avesso?!

Minha música não causa sensação?!

Não sei se você me entende

Eu toco em outra afinação



Não sei se você me entende

Eu toco em outra afinação...

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

110

terça-feira, 23 de novembro de 2010

109

Minha música é básica


Minha atividade é clássica

Eu tenho medo de ter medo

Tenho medo de esquecer



Entre o trabalho e a miséria

Prefiro o prazer



Já pensei em ter

Já cansei de ser

Acabei me dando bem

Se é que isso tem a ver



Amanhã vou sair pra comprar melodias

E misturar com sorvete

Baunilha em Dó menor

Petit gateau com Sol Sete



Um café com dor de amor, por favor

Pão de queijo pra segurar a vontade

Sopa de alergia

E um bom ganho de água fria



Eu sou um peixe pimenta

O resto a gente inventa

Eu sou um peixe pimenta

Quem não sabe chuta ou requenta



Eu sou um peixe pimenta

O resto a gente inventa

Eu sou um peixe pimenta

Quem não sabe chuta ou requenta

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

108

É, tudo já foi dito


Tudo já foi escrito

De tudo eu duvido

E o melhor

Sem ficar aflito



Os tempos são outros

Mais pra mil que pra quinhentos

Tem ainda quem prefira o formato

Eu prefiro voar



Eu quero voar

Ah, eu quero voar

Eu preciso voar

Transformar

Voar e voar

Voar

Estar no ar

domingo, 21 de novembro de 2010

107

sábado, 20 de novembro de 2010

106

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

105

Now

Watching the streets

I know

We're more than friends



I know

It’s just a rainy days



I know

I just play my slide guitar



And something good

This way comes



I know

We're more than friends



I know

That lovers are not paid to think

But something is making us sick



Now

Playing my slide guitar

I know


Something good

This way comes



I know

We're more than friends

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

104

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

103

Quando eu me apaixonar*
Letra e música: Lehgau-Z Qarvalho




To chegando do estúdio

Onde eu fui gravar

Uma música que eu fiz

Pra quando eu me apaixonar




Já me lancei a babar

Só de imaginar

O que vai acontecer

Quando eu me apaixonar




É tudo o que eu sempre quis

Amar e ser feliz

E isso, eu sei, vai rolar

Só quando eu me apaixonar




Quero um filho, dois ou mais

Já comecei a me organizar

Abri uma poupança lá na Caixa

Pra quando eu me apaixonar




Tomo o meu banho todo dia

Esperando pela alegria

Já coloquei a espumante pra gelar

Pra quando eu me apaixonar




Eu vou lalalaiá

Muito lala-lala-laiá

E mais lalalaiá

Só quando eu me apaixonar




Eu vou lalalaiá

Muito lala-lala-laiá

E mais lalalaiá

Só quando eu me apaixonar...




*Esse som é dedicado a todos aqueles românticos e românticas que vivem no futuro; e demais seres vivos que pensam que podem compartimentar a vida. AVISO: a breguice é proposital! =)*

terça-feira, 16 de novembro de 2010

102

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

101

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

100

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

099

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

098

terça-feira, 9 de novembro de 2010

097

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

096

domingo, 7 de novembro de 2010

095

Samba Triste




Eu fiz um samba triste

Pensando em você

Eu fiz um samba triste

Não tinha o que fazer



Um samba rock’n roll

Um samba meio blues

Um samba que errou

Um samba meia luz



Eu fiz um samba triste

Pensando em você

Eu fiz um samba triste

Não tinha o que fazer



Um samba rock’n roll

Um samba meio blues

Um samba que errou

Um samba sangue e pus

sábado, 6 de novembro de 2010

094

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

093

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

092

Nem choro, nem pagode, nem samba, nem vela: CavacoBlues!

terça-feira, 2 de novembro de 2010

091

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

090

Absor(to)vendo o mundo.

domingo, 31 de outubro de 2010

089

Confiando no próprio taco; resultados do cavaco.

sábado, 30 de outubro de 2010

083

Ab/sorvendo o mundo.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

082

Absor/vendo o mundo.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

081

Absorvendo o mundo.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

080

A/finação alternativa.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

079

Afinação alternativa.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

078

Slide nas cordas; e faço blues.

domingo, 24 de outubro de 2010

077

Comprei um cavaco; e faço blues.

sábado, 23 de outubro de 2010

076

Comprei um cavaco.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

075

Olhos e/ou vidas em aberto.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

074

Olhos e/ou vidas.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

073

Olhos e ouvidos Em abertos.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

072

Bem abertos.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

071

Olhos e ouvidos.

domingo, 17 de outubro de 2010

070

sábado, 16 de outubro de 2010

069

O silêncio nada mais é do que o som da falta de som.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

068

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

067

A democracia nos dias atuais vai até onde os desejos pessoais deixam de ser atendidos.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

066

Impressiona-me ver como os maiores defensores da democracia, quando não têm os seus desejos atendidos, conseguem se transformar nos mais convictos autocratas.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

065

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

064

domingo, 10 de outubro de 2010

063

sábado, 9 de outubro de 2010

062


sexta-feira, 8 de outubro de 2010

061

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

060

Quem está alarmado com o fato do palhaço Tiririca ter sido o deputado federal mais votado nessa eleição, deveria mesmo é estar se perguntando o que os políticos (tidos como sérios), nos quais vem votando eleição após eleição, estão fazendo pela educação neste país.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

059

Por longo tempo, para mim, Lili foi uma cidade encastelada nas encostas de um golfo, com amplas janelas e torres, fechada como uma taça, com uma praça em seu centro, profunda como um poço e com um poço em seu centro bem no centro da praça. Nunca a tinha visto, mas sabia que ela estava ali. Quando, pela primeira vez, entrei em contato com a cidade, tudo o que imaginava foi esquecido. Lili tornara-se aquilo que é Lili. As ruas recheadas de sensibilidade, bondade e vontade imensa de ceder afeto. Os prédios pintados de amarelo para melhor refletir a luz solar. Das cozinhas, o recender dos pratos mais apetitosos. E as crianças mais lindas e felizes correndo pelas suas calçadas. E, para não ficar igual a tudo, sempre, em Lili havia algo de louco. A melhor das loucuras; a loucura criativa.

O mundo está cheio de cidades que nunca verei de perto. Mas há algumas que nem é necessário pisar o solo, basta saber que existem para que a vida prossiga em seu rumo açucarado.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

058

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

057

domingo, 3 de outubro de 2010

056

sábado, 2 de outubro de 2010

055

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

054



Tinha sempre um sonho. Tinha uma vontade de dar certo. E uma de só vagar. E uma angústia perdida; e outra boa. E eu caminhava pelas ruas com um nó por dentro. E os dias eram nublados. E eu só tinha a mim mesmo. E todo o resto. Todas as possibilidades. Coisas incríveis aconteciam dentro de mim; e eu nem notava. E era sentir e sentir. Tudo ampliado. E uma coisa que vinha de não sei onde e se encaminhava para bem mais adiante. E eu nem percebia. Enxergava brilhos e traduzia em riscos. E riscava tudo. E não acreditava que pudesse existir. E não sabia nada sobre ser aceito. Ou repudiado. E esquecia nas noites, os dias; e nos dias uma escuridão. E nem falava mais. Era só eu comigo. E era bom ser eu; ainda que solidão.


quinta-feira, 30 de setembro de 2010

053



Do fixo para o celular, liguei para mim mesmo. É que acordei meio nostálgico hoje.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

052

Ainda que eu estivesse rolando por aí atrás de alguém que me entendesse, eu precisaria de mais um eu para me encontrar. Mas foi Deise quem me deu as tintas para eu pintar minha vida. Comecei com poucas cores e depois passei a utilizar mais e mais até não entender absurdamente nada. Deise era psicóloga e só por isso eu pensava que ela sabia tudo que era necessário para ser feliz. Mas as cores se misturaram de verdade quando ela se matou. É, deu um tiro na boca. Como alguém como Deise pode dar um tiro na boca?! Eu não entenderia nem se pudesse enxergar tudo em verde ou azul. E foi bem no dia em que eu me informei sobre pintura mural; dei início ao muro da minha vida. Hoje me dedico a fazer tijolos. Montei minha própria olaria. O cimento eu troco por pinturas em preto e branco pelas ruas da cidade. Utilizo qualquer material, desde que preto ou branco. Assim que terminar de construir o meu poço e o meu túmulo, vou me casar e ter filhos. E abandonar de vez a terapia.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

051


Eis o “hexagonauta”! Sim, porque ele sabe (de fonte segura) que a terra, e todos os outros astros, não são redondos, mas hexagonais. O hexagonauta (sim, ele é único no universo) dedica-se a caça de caubóis, cowboys, playboys, office-boys, motoboys, bad boys, bandboys, sertanejos (incluindo os universitários) e certos gaudérios (além de contínuos e estafetas), para levá-los de volta ao planeta Bhoys de onde escaparam no século passado. Dedica-se também a entender, compreender e reaprender as regras e razões que levaram a humanidade aos usos e desusos do hífen.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

050


ELE- Parece que está chovendo; e eu não trouxe guarda-chuva.



ELA- Vai se molhar e é só.



ELE- Mas está frio.



ELA- Nada que repouso e vitamina C não resolvam.



ELE- ...



ELA- ...



ELE- Você sabia que foi Sylvan Goldman quem inventou o carrinho para carregar as compras no supermercado?!



ELE- A invenção não foi imediatamente bem aceita. Os homens acharam-na afeminada e as mulheres a acharam parecida com um carro de bebê. As mulheres se sentiam ofendidas.



ELA- Ahm.



ELE- É.



ELE- ...



ELA- E como ele resolveu o problema? Ele resolveu, não é?! (Fazendo cara de tola).



ELE- Sim. Ele contratou mulheres, mais precisamente, modelos, para empurrar os carrinhos pela loja dele, fingindo fazer compras.



ELA- E depois?



ELE- Depois disso ele se tornou multimilionário.



ELA- Não, não estou mais falando do tal Sylvan Goldman. Quero saber sobre nós.



ELE- De que tipo?



ELA- Como assim: de que tipo? Do que você está falando?!



ELE- De nós. (Dando nó em uma corda)



ELA- Bem, acho que já está na minha hora.



ELE- Na sua hora?! Na sua hora de quê?!



ELA- Na minha hora de lhe dar o fora!! Isto sim...



ELE- Quando a cadeia Kentucky Fried Chicken chegou à China, o slogan “bom de lamber os dedos”, foi traduzido como “coma seus dedos”.



ELE- Quando o Papa visitou o México, um erro de impressão na mensagem das camisetas que deveriam anunciar “Eu vi o Papa” (el Papa), acabou resultando em “Eu vi a batata” (la papa).



ELA- Eu não consigo. Deus do céu por que eu não consigo?!



ELE- Outro dia li na embalagem, em inglês, o aviso de segurança de uma faca coreana que dizia: “mantenha fora das crianças”.



ELA- Rá, rá, rá...



ELE- ... (Sério)



ELA- Espere! Acabo de me decidir.



ELE- Sobre?!



ELA- Quero passar o resto da minha vida aqui; com você. Olhando para estes espelhos no teto. Não quero mais nada além disso.



ELA- Creio ser este o meu dia de iluminação. Descubra quem é o proprietário e ligue para ele, vou comprar este prédio.



ELE- E o que faremos durante os dias todos?!



ELA - ... (Dá de ombros)



ELE- Eu te amo!



ELA- Eu sei.



(Beijam-se e abraçam-se)



(Fazem caras de felizes)



ELE- E se o cara não quiser vender o prédio?!



ELA- Ah, meu Deus! Bem que minha mãe me avisou: homens são mesmo complicados.



ELE- ...



ELA- Não tem problema, ele já é meu.



ELE- Você é a dona deste motel?!



ELA- É... bem, é da minha família.



ELE- Por que nunca me disse isso?!



ELA- Você não me perguntou.



ELA- E, além disso, nós nos conhecemos esta noite.



ELE- Ah, é.



ELE - ...



ELA- ...



ELE- Quer casar comigo?!



ELA- Tá, pode ser.



ELA- Mas há um pequeno detalhe.



ELE- Qual?!



ELA- Eu já sou casada.



ELE-... (Olhando para ela com cara de espanto)



ELE- Acha que seu marido se importaria?!



ELA- É claro que sim, afinal ele é homem!

domingo, 26 de setembro de 2010

049

Quando paramos na estação, mudei imediatamente de compartimento. Ao que parece ninguém me viu fazê-lo, o que não é de espantar, já que havia muito movimento por ali. Já era noite e o jantar estava sendo servido. Encostei a porta, recostei-me, puxei minha camisa de lã por cima do corpo e escorreguei o meu chapéu sobre o rosto. Estava escuro e as parcas luzes vinham da rua entrando funestas através dos vidros das janelas. Quando a cobra mecânica recomeçou a andar esperei ansioso pela entrada dela na cabine. E ansioso fiquei até o raiar do dia, quando chegamos ao final da linha. Desembarquei pálido e tonto. A noite em claro fazia-me delirar e a vi, no bar da estação, dentro da minha xícara de café. E depois no meio do sanduiche de presunto, grudada na manteiga. Os cabelos engordurados. E senti nojo. E decidi que não mais a queria. Enxotei-a e ela correu escorregadia por sobre o balcão. Achei que os outros clientes ficariam espantados, mas eles nem deram atenção. E então ela pulou para os lados da cozinha e sumiu. Terminei meu desjejum com calma e, quando fui ao banheiro, escutei um choro fino. Lavei logo o rosto e comprei uma passagem de volta.

sábado, 25 de setembro de 2010

048

Que a casa tem vista para o mar, já era sabido há mais de vinte anos. Mas que o mar está do lado de dentro das janelas; e que acima, onde gravitam as virtudes e os sentimentos mais elevados, existe outra casa idêntica refletida, isto não seria possível desvendar, até se adentrar os recintos levando uma maçã envolta em magia logo nas primeiras visitas. E muito cedo se descobre também que ela foi construída e decorada com tal arte e apuro que cada um dos seus recintos segue a ordem de um planeta, e os seus móveis e utensílios repetem o mapa das constelações e a localização dos astros mais luminosos. Os afazeres na casa, desde os mais triviais, até os com a máxima carga de sensibilidade, determinação e beleza – não raros–, são regidos pelo arranjo do firmamento da data vigente. E desta forma, os dias na terra e as noites no céu passam a se espelhar.

Assim sendo, olhar pelas suas janelas é como entrar em equilíbrio e consonância com todo um universo de paz, harmonia, criatividade, alegria e volúpia em forma de práticas extáticas incluindo risos e sorrisos da melhor e mais pura qualidade.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

047


Uma vontade de superar os dias; e entrar no vento forte para seguir sem rumo. Ser uma revista no consultório do dentista. Ser o banco da praça. Ser a maçaneta; o botão do elevador. Ser a barra de chocolate; sorvete no inverno. Ser café, cama, colchão e lençol. Ser o dia; ser urinol. Ser cheiro de coisa boa. Ser tinta, lápis, marcador permanente. Ser parede, muro e chão. Pão, comida, vinho. Água do chuveiro. Salgadinho, biscoito, avião. O minuto antes do orgasmo. Um durante e outro depois. Ser vapor em cima da rua. Ser ingresso para o cinema. Ar condicionado e livro bom. O consenso entre as partes; e a divergência de opinião. Ser bálsamo aos ouvidos; mp3 de mão em mão. Ser um pouco de nem tanto; uma bolha de sabão. Ser um nada de vez em quando; um sinal de subtração. E mais; vezes; divisão. Andar andar andar. E fazer e nem lembrar. Fechar a janela e ir para a cama; que amanhã tem que adiar.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

046

Ao acordar, sabia, todos estariam com caras de arranjos florais. O sol, com exatidão, nasceria no leste e se poria no oeste. A abundância de luz e energia solar abandonaria o hemisfério norte e se dirigiria ao hemisfério sul. O dia e a noite teriam exatamente a mesma duração, com doze horas para cada um. Se ouviria de todos os argumentos decisivos sobre o quanto é bom sair para desfrutar o mundo lá fora; e sobre que tudo à nossa volta tende a ficar mais agradável. O canto dos pássaros, as flores que desabrocham tornando os ambientes mais bonitos e perfumados, as cores que ficam muito mais vivas, os passeios que se tornam mais alegres e divertidos. Haveria mais poesia nos corações mandando para longe toda a melancolia atribuída a estação anterior. Todos estariam mais receptivos para o mundo externo e, também, uns com os outros. Os relacionamentos, o convívio, a harmonia, o senso estético e o bom gosto passariam a ser a ordem do dia. Estariam todos mais predispostos ao acasalamento, a cópula e a capacidade de desfrutar mais livremente a rua e os ambientes. O mundo estaria em perfeito estado de equilíbrio.


Antes de deitar-se, programou o relógio para despertar dali a seis meses.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

045

Anotações de geladeira: sonhar baixo para não acordar os vizinhos.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

044

Há um fantasma que me acompanha. Tudo bem se eu levar ele junto?! Ele não me faz tão bem, mas já me acostumei com a sua presença. Agora já tenho até medo de ficar sem ele. Não saberia mais o que usar como desculpas. Ontem ele me disse que eu devia acabar com tudo. Mas eu respondi que não. Então tá, a vida é sua!, ele rebateu. Mas eu espero sempre que alguém venha me salvar. Que apareça e diga DEU! E as coisas todas viram outras. E eu escuto deliciosas melodias. E os sabores são mutantes. Ela toma a minha mão e a leva até a sua barriga. Há um lugar específico para a minha mão debaixo da blusa dela. E eu sinto uma corrente elétrica ali dentro. E as suas costelas sobem em três cliques precisos, como os ossos de uma cobra. E a minha mão encontra a sua cintura; mais fina que uma maçaneta. E ela tem um calafrio inesperado. O meu peso me leva até ela. E as suas unhas alcançam a minha nuca. E, ao desgrudarem-se, os nossos lábios, perde-se alguma pequena coisa para sempre. Sempre. E ao abrir os meus olhos, ela já não está mais. E tenho apenas a mim e ao meu corpo. E a ele, o fantasma. Por isso não posso deixá-lo aqui. E Por isso ela sempre se vai.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

043



Um coração a bater. Guitarras em tons menores. Um contrabaixo lacônico. A cozinha percussiva marcial. Não há pontos de acesso. E eles se esbarram o tempo todo. Agarro a corda e começo a subir. Bem lá em cima há um detalhe luminoso. Meus passos pelas paredes úmidas são firmes. O cheiro da água parada vai ficando para trás. Um escorregão. A distorção baixa pesada. Cicatrizes.

domingo, 19 de setembro de 2010

042

Eu preciso de uma frase para iniciar o meu texto. E preciso de um texto, logo em seguida, para iniciar o meu dia. Nada me vem. Penso em, antes, preparar um café. Penso em ler alguma coisa para me inspirar. Mas não, não fujo. Fico queimando massa cerebral e fragmentos de espírito até dar-me conta do para que serve a literatura. E descubro, sim, descubro que ela foi inventada e existe para aplacar eternidades. Fazer literatura é como viver entre elois e morlocks, mesmo sem se sentir um deles. E descubro também que tudo em nós é crível, mas tudo é também inaceitável. E que a nossa maior felicidade é a própria incapacidade de relacionar entre si todos os acontecimentos que nos cercam. Vou teclando sem pensar e pensando em nada pensar. E sinto que logo embarco em uma traquitana que me leva para os confins de mim mesmo. E tenho todas as ideias do mundo de uma só vez. E vejo tudo em forma de sentimentos. E tudo fica muito grande. Imenso. E eu muito, mas muito pequeno diante de tudo. E tudo vira nada; e eu menos ainda. Depois volto para lembrar e sentir alegria pelo dia de hoje.

sábado, 18 de setembro de 2010

041

Cansado de encontrar jargão em vez de bom senso, pudor sem virtude ou libertinagem sem volúpia, saio, só, para comer uma torta de nozes. Peço chá branco para acompanhar e, enquanto espero, olho pela vidraça o movimento das esquinas de ruas movimentadas. Ela passa: alta, muito magra, com alguma flutuação e desleixo no porte. Essa espécie de abandono nas maneiras que quase sempre anuncia uma mulher ardente que, mais preocupada em sentir do que em parecer, ignora sua beleza apenas para poder prová-la no momento necessário. Da rua ela sorri para mim. Fecho o Sade que trago nas mãos. Um caráter doce, uma alma terna, um espírito um pouco romanesco. As frases ecoam nas minhas entranhas. Retribuo o sorriso. Ela para, dá meia volta e entra na cafeteria. Gosto das atrevidas. Sempre às preferi. Ao contrário do palavrório gasto dos grupos masculinos reunidos nos cantos de qualquer reunião informal, elas nunca me assustaram. Nunca me fizeram menos. Ao contrário: além de divertidas e encantadoras em suas maneiras sedutoras, poupam trabalho. Gosto de me sentir a presa de vez em quando. E não sou menos homem por isso. Não mesmo. Ela pergunta se pode sentar. Consinto com outro sorriso. É que sou de escorpião!, argumenta. Bela coincidência!, me entrego. Ela assenta com os joelhos muito juntos e mexe nos longos cabelos. Deve estar na casa dos vinte e cinco. Uma das idades mais invejáveis. Não mais menina e ainda nem tão mulher. Pergunto se aceita um café ou um chá e se gostaria de comer algo. Opta pelo café apenas. Noto que está um tanto trêmula. Passo a falar sobre o que vejo à minha frente. Começo pelos brincos de argolas; depois a textura dos cabelos; as mãos de dedos longos e unhas no tom de vermelho exato. E passo pelos cheiros; e vou até a pele, os braços, o pescoço; as pernas, as ancas e a boca. Acabo nos olhos; e no hálito. Ela estremece. Minha voz senta-se ao piano e toca-lhe as poesias. Ela me fita fixo. Incrédula. A tarde de sábado flui; intensa. Com a pitada de rudeza necessária, vamos sem pressa nos tornando seres deliciosos um para o outro. Mozarela de búfala, tomate, manjericão e óleo de oliva recheando uma massa leve. Somos agora a quiche à caprese que compartilhamos. Um a servir o outro. E eu que já havia me decidido a parar de sonhar! E ela levanta-se para ir ao banheiro. E volto-me para observá-la em seu caminhar desalinhado. E sinto um calor meio doído. Premonitório. E quando ela volta se senta ao meu lado; pede que eu feche os olhos. Com os dedos, passa alguma coisa sobre os meus lábios que os faz em brasas. Penso ser um daqueles tipos de gel para aquecer específicas partes do corpo. Me faz prometer que não abrirei os olhos de jeito nenhum. Já está pegando fogo?!, a voz em leve sorriso. Digo que sim. E ela me diz para eu não me preocupar que ela, pessoalmente, vai aliviar o meu terrível sofrimento. E sinto um delicado soprar na região atingida. E logo os seus lábios nos meus; lambendo de vagar. E, em seguida, pequenas mordidas. E não resisto e seguro a sua cabeça com as duas mãos e enfio minha língua dentro da sua boca. E assim ficamos por quase meia eternidade. E enquanto de olhos cerrados percorro-a por dentro, vou desenhando-a em minha mente. E passeio por baixo das suas roupas. E meus dedos agora são bocas, e órgãos reprodutores masculinos; e meus lábios são batimentos cardíacos acelerados. Ela solta ais, uis e pequenos guinchos abafados. E logo acabamos por ser, mesmo sem ter o menor dos intentos, o centro das atenções. E somos enxotados do local como cães vadios em pleno cio em meio ao parquinho das crianças. E sem nos desgrudarmos rolamos rua abaixo. E tendo a lua como única testemunha, despencamos da calçada e somos tragados pela sarjeta. E, repentina, uma torrente muito forte de sentimentos líquidos leva-nos por dutos diferentes; os quais, logo descubro, não fazem mais conexão.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

040

Naquele tempo a gente era veloz e o tempo se arrastava. Agora me arrasto para seguir o tempo. E adoro quando tu esqueces os teus olhos em cima dos meus. Por vezes penso que não estás ali. Mas gosto de pensar que te sou útil até para que saias de ti e viajes para onde bem entenderes, sem saíres do meu lado. Quando te vi pela primeira vez, tive a sensação de ser dono de um desejo potencial por todas as fêmeas do mundo, concentrado em uma só mulher. O teu cheiro me fascinava. Era uma coisa animal mesmo. E não me dei por vencido enquanto não me vi montado em ti. Enquanto não me enfiei para dentro do teu corpo. E te trepei até em sonhos. E também em pesadelos. E quanto mais eu te cheirava, mais eu te mastigava. E eu já nem almoçava nem jantava. E comia, comia, comia. E só emagrecia. Daí fiquei doente e agora estou aqui, pensando que está tudo bem. E tu com os teus olhos de tu mesma. E o sangue a escorrer da minha cabeça como a fumaça de uma chaleira que se deixou tragar pela escuridão. Estou a poucos passos de mim e a sussurrar afeto para mim mesmo, andando pela fenda de concreto do túnel. Uma última luz débil agita-se em cima da minha cabeça. Temo não te ver mais. Nunca mais. Embora eu acredite que possa ficar por aqui para te fazer companhia, e cuidar para que nunca deixes de ser minha. É, vou te atrapalhar a vida. Mas peço que não te preocupes, será para o meu próprio bem. Não preciso mais dormir, e posso ficar dentro de ti o tempo que eu quiser. E sem tu perceberes até. E quando estiver fora, te vigiarei com meus olhos de cão. E serei gato e coruja durante a noite. E ninguém se aproximará de ti sem que eu permita. E não darei a mais ninguém esse gosto, que deveria ter sido só meu. Uma pena o que fizeste conosco.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

039

Eu lembro o dia em que ela se foi e eu fiquei sentindo saudades do que não houve. O lugar é o mesmo. E eu aqui parado. E tem um advogado tentando ser notado falando alto ao telefone celular sobre, até onde posso entender, uma briga entre marido e mulher. Ao que parece ele, o marido, deu uma cabeçada na esposa. E o advogado grita ordens para uma pobre coitado do outro lado da linha. E eu no mesmo posto de gasolina daquele dia em que ela se foi me pedindo para ter paciência. Na rua, três homens bem vestidos desembarcam de um táxi e andam em direção à parede de vidro que nos separa. Vejo tudo pela transparência. A frente toda do café e loja de conveniências é de vidro. E no dia em que ela se foi eu também estava de chapéu. Não este de agora. Hoje estou com o meu apropriado para chuva; revestido com nylon. É que choveu o dia inteiro. Como naquele dia. Só que na época eu não tinha um chapéu especial para chuva. Eu nem pensava nisso. Eu estava apaixonado. Agora não está mais chovendo. Como no momento em que ela se virou; e saiu. A rua molhada. O advogado aos berros, sentado em frente ao seu laptop, avisa que o tal marido vai ser preso. Independente da vontade da tal esposa, que pelo jeito não está muito feliz com a tal prisão. Os três homens param próximos ao vidro. Um deles está com a mão direita por baixo do blusão de moletom vermelho que está sob um blazer de veludo verde musgo. O táxi ainda parado em frente à loja de conveniências. Naquele dia ela estava mais bonita do que de costume. E os olhos dela brilhavam. E ela trazia um sorriso dentro da bolsa. E eu ali parado enquanto ela se levantava da cadeira à minha frente. Eu só olhando. E o advogado ordena para a pessoa do outro lado da linha que registre tudo em um boletim de ocorrência; e que acalme a mulher. E afirma categórico que o homem será preso mesmo que a mulher não queira prestar queixa à polícia. E um dos três homens, o que tem a mão debaixo do blusão de moletom, tira uma coisa reluzente feito aço ali de baixo. O táxi com o motor ligado. E ele aponta a coisa reluzente feito aço para a parede de vidro transparente e dispara uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete vezes estilhaçando a vidraça. O advogado se cala. Os três homens entram rápido no táxi. E, antes de partir, disparam mais uma vez a esmo. E eu ali parado. Fingindo ter paciência. Alguém diz Alô!, do outro lado da linha. E pergunta, aflito, O que houve?! O que houve?! Lembro que ao se virar ela meteu a mão na bolsa e, em seguida, atirou-me o tal sorriso. O celular sujo de sangue. E eu enxergo o sorriso mais uma vez. E ouço, ao longe, a sirene da polícia. E fico imóvel. E penso que eu devia ter ido atrás dela. Devia ter insistido. Devia ter implorado. Devia ter ido atrás do que era meu. Da minha felicidade. Mas eu a deixei escapar. Como eu pude fazer isso?! Por que fui tão idiota?! Por que fui tão mesquinho comigo mesmo?! Por que fui tão egoísta?! A polícia chega. E junto com ela uma ambulância. E vejo o espocar de flashes de máquinas fotográficas. O prédio sede da empresa jornalística fica bem ao lado do posto de gasolina que abriga o café e loja de conveniências; ali do outro lado da rua. E ouço alguém dizer que o advogado ainda respira. E eu ali parado. E penso: e se ela resolver voltar e eu não estiver mais aqui?! Um aperto no peito. Uma falta de ar. E eu ali parado. E penso que nada vai adiantar. E penso... tento respirar... que se eu repetir três vezes Eu te amo, porra!, tudo vai dar certo. Tudo vai voltar ao normal. E vejo os olhos reluzentes, e o sorriso da bolsa e as costas dela indo embora. E o meu chapéu já não está mais na minha cabeça. E a chuva recomeça. Eu te amo, porra! Eu... te... am...o, ...por...ra!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

038

Ontem, na correria, não comentei nada sobre a ida de Sofia para Veneza. Não li nada sobre para que parte ela foi nem sobre os horários de voo, e não sei nada sobre o filme que vou ver logo mais. Talentosa, filha de talentosos, amigos meus, depois das tentativas em Cannes, só levou seu Leão de pelúcia porque sei que não se separaria dele por nada no mundo. Fui eu que dei de presente para ela em seu aniversário de catorze anos. À época eu já passava dos quarenta. Eu a conhecia bem. Sem nada saber, de nenhum dos filmes, fico tentado a achar que minha vida entrará em colapso. Eu trabalho para a imprensa; a crítica é o meu negócio. Mas Sofia se foi e eu fico contente. Gosto dela até quando nos filmes não me parece cem por cento defensável. Como na pele da sua “Angelina”, tão contemporânea, inclusive na trilha, também composta e executada por ela. Já cheguei a pensar que a gente até se surpreende quando as referências históricas particulares batem com alguma precisão na tela. Angelina sofre com um amor impossível, trinta anos mais velho do que ela. Tenho, confesso, um carinho particular por Sofia. Desde àquela época. Entrevistei-a, certa vez, por telefone, quando do lançamento de ‘A teoria das Sombras’, seu longa de estréia, ainda como atriz. Do qual gosto muito, mais até do que de ‘A última noite do ano da coisa que não aconteceu’, ambos baseados em livros de minha autoria. Disse a Sofia, com toda sinceridade, que, como pai da obra, me emocionara muito com o fato de ter sido ela a Simone, assassina em série em ‘A teoria das Sombras′. Pode não ter significado nada para os outros, mas, para mim, aquilo deu uma voltagem ao filme que potencializou ainda mais a personagem tão marcante. Até hoje muitos me dizem que gostariam de ser mortos por uma Simone. A sua atuação me deixa prostrado a cada vez que revejo. E revejo sempre, para não me perder dos detalhes. Sofia é a minha menina. Minha eterna menina. Disse também que ela era talvez pouco conhecida para um papel tão forte, e que as duras críticas que recebeu, no fundo, eram muito mais uma tentativa de atingir a mim. E eu jamais tive a intenção de prejudicá-la. Em síntese, me congratulava com o fato de ela ter sobrevivido ao episódio para virar diretora; e boa, muito boa. Ela deve ter percebido a sinceridade e foi calorosa comigo. Queria pegar um avião e vir me encontrar. Na mala, todos os seus pertences. Incluindo as cartas que jamais lhe escrevi. Nunca falamos sobre o passado. Na época ela estava meio que casada com um ator francês que vivia em Santa Catarina e era metido a símbolo sexual e intelectual ao mesmo tempo. Eu odiava aquele cara. Também o entrevistei por telefone uma vez e, entre uma pergunta e outra, conversei com ele sobre o casamento, e perguntei em que medida se influenciavam e se apoiavam em suas carreiras. Ele me disse que preferia comer “caca de gato” com morangos do que ter filhos com uma brasileira. É claro que, na edição, omiti essa parte da entrevista. Eu tinha os meus interesses. E Sofia não merecia saber disso. Mas fiquei, confesso, muito contente quando soube da separação dos dois através de revistas de fofocas. E, desde então, tenho acompanhado com muito mais interesse a evolução de Sofia. Ela já havia sido a aposta para a Palma de Ouro, mas não levou. A consagração que Cannes lhe negou, Veneza agora outorgará?!, diz a manchete na capa do caderno de cultura que tenho nas mãos. Mas não, ela não está indo para lá para receber prêmios. Ela está em fuga. Li que o seu novo filme será distribuído no Brasil pela Paramount. Não creio que vá para o Festival do Rio. Nem venha para cá, no de Gramado. Talvez eu tenha de ir a São Paulo para assistir. Mas já estou velho demais para viajar. Torço para que Sofia quebre a escrita. Para que ela ganhe a aposta. Chega de filme ruim recebendo o Leão. Sei que tem gente que gosta, mas aquele iraniano é o ‘Dias de Guerra’ requentado e com lances meio canalhas. Como o nu frontal na cena dos reféns. Algo de péssimo gosto. Eu nunca me casei; jamais quis atrapalhar a vida de alguém. E isso para mim é que é sinônimo de amor. E eu não tenho mais muito tempo de vida. Sofia está só agora, penso. Nunca suportei que me amassem. Eu trabalho para a imprensa; a crítica é o meu negócio. Entro no cinema; o filme começa. Fecho os olhos e vejo Sofia. E vou acompanhando o filme pelos ouvidos. E a enxergo protagonista; e coadjuvante. Quando ouço falar em crise do cinema de autor, e dos festivais, penso em Veneza. Berlim e Cannes se beneficiam por vir antes. Veneza, muitas vezes, vira a rapa de tacho da programação do ano. Mas não é para isso que ela está indo para lá. Nunca fui a Veneza; não parlo italiano; e tenho medo de água. E já estou velho demais para viajar.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

037



Por onde começo? Pelo filme ou pela companhia? Vamos ao filme. Eu gostei! Ela vai mais longe: queria comer torta de blueberry, ou mirtilo, e beijar o Jude Law!, diz passando a língua sobre os lábios. A torta é muito importante. Blueberry quer dizer mirtilo; seja lá o que isso signifique. Fico sabendo que é uma fruta parecida com amora. É, eu também queria beijar a Norah Jones. Aquela boca, aqueles olhos, aquela pele, aquela voz..., eu. Dá pra parar!!!, me cutuca. Aí pergunto qual a torta que ela mais odeia. De morango com merengue!, me responde meio surpresa. Enquanto ela vai ao banheiro, peço duas fatias. Uma para cada. E café. Ela odeia café, já havia me dito. E conhaque. Ela gosta de falar mais sobre o que odeia do que sobre o que ama. Meu pai sempre dizia coisas sobre torturar as mulheres para deixá-las mais belas. As tortas chegam, os cafés também. Ambos fomos abandonados, eu e ela. Estamos vulneráveis emocionalmente. Ela desmaia de tão bêbada e de tanto comer torta de morango. Eu, obedecendo a um irresistível impulso, a beijo. Ela no chão; eu ao lado dela. Um beijo de entrar para a história; ao menos para a minha. Ao recobrar os sentidos, ela parte. Ainda mais bela. Eu fico preso à cadeira. Ela cai no mundo. Atravessa o país e cruza fronteiras escrevendo cartas para mim. A distância, às vezes, aproxima as pessoas..., explica em uma delas. Muita gente que está próxima, fisicamente, vive em uma galáxia distante, do ponto de vista afetivo e emocional!, completa. Em outra diz: e-mails são frios e instantâneos. Cartas são como tortas de morango com merengue.

Da estrada, ela relata o confronto com várias histórias de perdas – de amor, de dinheiro, da própria vida. É preciso tudo isso para que eu ganhe alguma coisa!, explica. Eu penso que já vi esse filme. Literalmente. Vivo em um curta de seis minutos com Tony Leung e Maggie Cheung, oferecido como bônus no DVD de Amor à Flor da Pele. É o mesmo, mas diferente. Outras línguas, outras culturas, outras paisagens. E relato em um blog. Vão sendo necessárias muitas postagens para falar dela, de mim, de nós dois. Descrevo tudo em cinemascope. Em formato widescreen. A tela larga não parece a mais indicada para uma história tão intimista. Mas não sei ser outro. Por vezes tento o plano contínuo, ou a profundidade de campo. Depois leio. Leio tudo outra vez. E como espectador construo o meu próprio plano. Saio da frente da tela nas nuvens. Vou ao cinema só, e espero. Compro, invariável, dois ingressos. Reservo sempre um lugar vago ao meu lado.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

036

A parede se abriu e de dentro da fenda saiu ela. Vinha com todas as letras e um vestido cor de berinjela. Pediu que eu parasse com as rimas e me aprofundasse no conteúdo. Ofereceu-me vinho e logo disse que eu não precisava daquilo. Que eu devia parar de ser o que eu não era. Atirou a taça para trás e apontou para o violão que passou a tocar sozinho uma triste melodia. Recuei para dentro de mim. Ela puxou-me de volta pela barba, enfiou minha cabeça entre as tetas e disse: escreve! Meu corpo se afrouxou inteiro e: escrever o quê?!, me saí. Escreve o que é para ser escrito!, devolveu. Passei a rasgar as teclas até o dia amanhecer. Quando terminei caí em um choro tão denso que adormeci. Mas não antes de vê-la sumir por entre os escombros e a parede se soldar como estava antes.



Quando despertei continuava a sentir o seu cheiro. Tentei ler o que eu tinha escrito, mas as letras haviam sumido. E o texto, eu sabia, ainda continuava ali.

domingo, 12 de setembro de 2010

035


Em dias nublados gosta de sair a passear. As cores mais vivas. Os sentimentos mais intensos. Uma saudável melancolia no ar. Tudo a contribuir para o nascer das mortes. Das pequenas mortes. E das grandes lembranças. E das muitas perguntas. E dos nunca compreender. Dias de olhar as coisas e não lhes saber os nomes. Dias de mãos sobre a nuca. Dias de mudos contínuos rolando pelas ruas. E das cambalhotas da alma. Dias de não ser visto em nenhum lugar. Dias de só vagar. Dias de não buscar. E ir. De encontro ao encontro. Dias de desencontrar. Sem aflição, nem ambicionar. Dias de abrir latas; e de não cozinhar.

Até que para em frente à loja fechada. Refletido na vitrine vê-se a si mesmo a observar-se de cima. Funga de leve, olha para a luz uniforme e se repete: o melhor dos dias de nuvens é que se pode acompanhar-se sem ser visto por si mesmo. E sente um conforto. Em dias nublados não há sombras.

sábado, 11 de setembro de 2010

034

Há dias ouço que eu estou com um sorriso novo. E eu curto-circuitando. Olho-me no espelho e percebo que minha cabeça pende para o lado esquerdo. Tento fazê-la voltar ao centro. Penso que seria muito melhor se eu tivesse nascido formiga. Continuaria, ainda, um inseto, mas do tipo respeitável; trabalhador. Alguém com uma função simples fazendo parte de um complexo sistema social. Como todo mundo. Seria integrante da eusocialidade. Teria como característica a sobreposição de gerações em um mesmo ninho. Teria também o cuidado cooperativo com a prole. E dividiria tarefas. Teria um papel social bem definido. Seria, ou reprodutor, ou operário – uma casta de obreiros sem asas. Todas as fêmeas seriam prognatas (assim como boa parte dos dentistas que eu conheço). Ficaria fácil: não haveria problemas de identificação. Entre o lábio e a hipofaringe eu teria a presença de um saco infrabucal. Teria antenas articuladas, com o artículo distal alongado – exceto se pertencesse a uma subfamília: Armaniinae ou Sphecomyrminae; possuiria o segundo e, dependendo da espécie, também o terceiro, segmento abdominal formando um pecíolo. No caso de ter asas, as anteriores não apresentariam nervuras ramificadas. Poderia apreciar nas fêmeas, também, a glândula metapleural abrindo na base das patas posteriores. E poderia assistir a rainha perder os seus órgãos de voo depois da cópula, que seria realizada em acrobacias aéreas de milhares de indivíduos, incluindo, talvez, eu. E o estudo da minha pessoa denominar-se-ia mirmecologia. E, em especial, saberia sempre o que fazer. Da manhã até a noite. Não precisaria ter ideias o tempo todo. Ou me preocupar com o que pensam os outros. E ninguém me diria que eu estou com um sorriso novo. E nem com a falta dele. Ninguém sequer saberia o que é um sorriso. Ou a falta dele.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

033

Eu terminava de escrever um livro enquanto tomava café e pensava que jamais seria feliz outra vez. Livros são como filhos: mais dia, menos dia, há que se jogá-los ao mundo. E o mundo é como os livros: se não fizermos um esforço para entendê-lo(s), não teremos ânimo para ir até o fim. E os filhos são como são. Ainda criança eu pensava que quando chegasse o século vinte e um eu teria trinta e três anos; e que tudo seria muito diferente. Uma das minhas perspectivas se confirmou: eu tinha mesmo trinta e três anos quando o século vinte e um chegou, mas as coisas não se apresentaram assim tão diferentes. Ainda havia carroças em meio aos carros nas ruas da minha cidade. E ainda havia amores à primeira vista; ou à primeira ouvida. E ainda havia eu tentando ser alguém; nem que fosse eu mesmo. E ainda havia dias e noites seguidos de dias e noites seguidos de dias e noites. Eu julgava que os intercomunicadores sem fio a longa distância estariam em alta, e de fato estavam. E julgava que as comunicações se fariam melhores. O enviar e o receber coisa escrita. Perdida a emoção?! É claro que não. O aguardar de uma resposta não dependia mais dos prazos estabelecidos por absoluta contingência do serviço de Correios, mas do interesse e das condições emocionais dos envolvidos. E é aí que a emoção triplica. E (re)conhecer a Cinderela ou a Alice seria muito mais fácil. E foi; e não foi. Esta sim a questão. Com a queda das verdades e o mundo em fragmentos, os antigos alicerces se fizeram de papel e isopor. E a chuva veio. E as mudanças ficaram perdidas como lembretes, bilhetes ou cartas de amor em caixas de caminhões de mudanças. Dez anos depois. Mudar sempre, mas para onde?! E o livro derretido no oceano de zero ou um; de, ou isso, ou nada. Saber onde vai parar?! Saber o quê?! Tocar sem ensaiar...





mas, o melhor e mais distante do azar: é saber que as lamúrias tendem a recomeçar em ciclos cada vez mais esparsos; e como consequência as belezas a aparecerem ao longe, em meios mais discretos – em uma geografia que se quer fantástica; e outros analectos.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

032

Todo o segredo está em descobrir a medida das coisas.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

031

Não posso esclarecer a data exata do relato. Nem lembro se foi fantasia ou fato. Só que pedi aos deuses que não me abandonassem. Ainda que demorassem, teriam de me tirar daquele estado. Para que eu não passasse para o outro lado, ou fosse e nunca mais voltasse, tornei-me um revolucionário. Minha luta exigia de mim uma dose de sanguinário, e alguns esclarecimentos históricos, mesmo que reduzidos ao fato, ou ao imaginário. Mas a invenção da máquina a vapor que eu intentava, talvez tenha ficado no âmbito do soldado que brinca com a cafeteira. E lutei por uma semana inteira, até descobrir que eu não era de extrema-esquerda; mas de saudades eu sofria, e que daí é que vinha a minha melancolia. E passei a escrever para dela não esquecer, e escrevendo segui para nunca mais deixar de crer.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

030

O sentimento em suspensão no ar sépia. O pensamento nas certezas como se fossem certas. Um prazer na aliteração, outro na lucidez. O que importa é que o leitor deve sentir o poema!, ela me diz. O que alguém sente ao ler um poema é exclusivo e intransferível, não é igual ao sentimento de nenhum outro leitor!!, continua. É por isso que, apesar de todos fingirem, ninguém entende poesia?!, digo erguendo uma sobrancelha e fazendo cara de sabe tudo. Ela ri. Você sabia que ontem foi o dia do sexo, 6/9?!, emenda com o riso. Dia de sexo real; dia de desligar os computadores!!!, e ri mais alto. Minha boneca inflável foi roubada de dentro do meu carro no estacionamento do shopping no momento em que eu fui ao banheiro!, argumento. Ela gargalha. Se uma mulher não tiver o mínimo de inteligência, perspicácia e senso de humor eu não consigo fodê-la









acordo com a cabeça pesada, mas com vontade de me unir ao dia. Tomamos café na rua e ambos seguimos nossos caminhos. Ela para não sei onde. Eu para outro livro. Enfio os olhos e vou até o fim. Quando termino já é hora da janta. Penso em ligar para outra, mas, por engano, teclo no número dela. Sei que não é assim que se faz a coisa, mas sinto que já é tarde demais. Ela atende e, sem dizer alô, me pergunta apenas a que horas. Em vinte minutos somos um casal. Em noventa estamos de banho tomado e em cento e vinte nos divorciamos. Tiro o número dela da agenda do meu telefone celular e nunca mais a encontro. Paro com as rimas e escrevo o meu primeiro romance.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

029

Uma frase do bilhete lhe surgiu de repente: “preciso de alguém que me dê segurança”. Ele já havia saído do templo da sétima arte e estava feliz por estar de volta ao ar livre. Por vezes um dia ruim pode ser salvo por uma vibrante realidade em duas dimensões. Mas, ainda não foi desta vez!, ajuizou. Respirou a umidade. Pensou em todos os pares de olhos que já havia visto na vida. E constatou: nenhum deles reluzia mais.

domingo, 5 de setembro de 2010

028

Estavam na esquina das avenidas Venâncio Aires com João Pessoa. Os carros passavam sem fazer nenhum som. Era como se a cidade houvesse se inclinado e todas as coisas rolassem em direção a zona sul. Olhavam-se atordoados. Os olhos esbugalhados. Pareciam engajados em uma causa sagrada. Tentavam adivinhar o que o outro dizia. Moviam os lábios incessantes. Até que ele parou. A pergunta permaneceu em sua garganta como um pedaço de pele morta. Ela olhou fixo para ele e logo baixou os olhos. O chão tendia a rachar-se; ou a derreter feito cera ao sol. Mas era noite. E os prédios desfaziam-se em luzes. E pensou que poderia parar o movimento com a força do seu pensamento. E parou. Fez uns desenhos no ar com as mãos que ficaram ali, estáticos. Queria mesmo era abraçá-la firme e esperar que alguma coisa acontecesse. Lembrou da história do duplo. Do relato “William Wilson”, de Poe, quando o duplo é abordado como a consciência do herói. Este mata e morre junto. E pensou no duplo como o seu anverso. Como um complemento. Aquele que não somos nem nunca seremos. E voltou a prestar atenção nela. Em seu rosto sereno. Sua pele de polietileno. Seus olhos de outra dimensão. Suspirou como suspiram os envolvidos com alguma paixão.

Parecia incrível que ela o tivesse ajudado a atravessar a rua.

sábado, 4 de setembro de 2010

027

... e quando saí levei ela comigo.

E depois?

Depois foi só depois.

Perdi alguma coisa em algum lugar?

Não creio.

Eu não precisava ouvir isso.

Mas eu precisava lhe contar.

Por que estamos aqui?

Porque queremos, não é mesmo?!

Não estou bem certa.

Onde você queria estar?!

Com ele, com você, eu sei lá. Já não sei mais nada.

Mas é bom estar aqui, digo, você não acha?!

Apesar do peso sobre nossas cabeças, do cheiro de tecido degenerado e da umidade extrema? É, pode ser...

Por quê, “pode ser”?!

É que eu queria poder amar mais, comer mais, criar mais, viver mais. Eu queria mais. Mas nem sei para quê. Durante muito tempo fui e apenas fui. Queria ter a ele. Depois a você. Depois aos dois. Na mesma cama. E depois queria a sua esposa. Na cama dela. Acha que ela se importaria? Bem, já está feito. Não há mais nada a dizer.

Parece que está chovendo. E eu não trouxe guarda-chuva.

Vai se molhar e é só.

Mas está frio.

Nada que repouso e uma vitamina C não resolva.

...

...

Você sabia que foi Sylvan Goldman quem inventou o carrinho para carregar as compras no supermercado?! A invenção não foi imediatamente bem aceita. Os homens acharam-na afeminada e as mulheres acharam-na parecida com um carro de bebê. As mulheres se sentiam ofendidas.

Ahm.

É.

...

E como ele resolveu o problema? Ele resolveu, não é?!

Sim. Ele contratou mulheres, mais precisamente, modelos, para empurrar os carrinhos pela loja dele, fingindo fazer compras.

E depois?

Depois disso ele se tornou multimilionário.

Não, não estou mais falando do tal Sylvan Goldman. Quero saber sobre nós.

De que tipo?

Como assim: de que tipo? Do que você está falando?!

De nós.

Eu devia também furar-lhe os olhos com este garfo sujo de sangue e torta de chocolate com nozes.

Noz?!

Bem, acho que já está na minha hora.

Na sua hora?! Na sua hora de quê?!

Na minha hora de lhe dar o fora!! Isto sim...

Quando a cadeia Kentucky Fried Chicken chegou à China, o slogan “bom de lamber os dedos”, foi traduzido como “coma seus dedos”. Quando o Papa visitou o México, um erro de impressão na mensagem das camisetas que deveriam anunciar “Eu vi o Papa” (el Papa), acabou resultando em “Eu vi a batata” (la papa).

Eu não consigo. Deus do céu por que eu não consigo?!

Outro dia li na embalagem, em inglês, o aviso de segurança de uma faca coreana que dizia: “mantenha fora das crianças”.

Rá, rá, rá...

...

Espere! Acabo de me decidir.

Sobre?!

Quero passar o resto da minha vida aqui; com você. Olhando para estes espelhos no teto. Não quero mais nada além disso. Creio ser este o meu dia de iluminação. Descubra quem é o proprietário e ligue para ele, vou comprar este prédio.

E o que faremos durante os dias todos?!

Exatamente o que acabamos de fazer e o que estamos fazendo agora.

Eu te amo!

Eu sei.

E se o cara não quiser vender o prédio?

Fazemos com ele o mesmo que fizemos com esses dois pobres coitados aí.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

026

Dentro da cápsula há três possibilidades. Uma delas: a das coisas prováveis – um navio submarino, a redescoberta do pólo Sul, a fotografia que fala, a travessia da áfrica em um balão, as crateras de um extinto vulcão que nos levam ao centro da terra. Outra: a das meras possibilidades – um homem invisível, um ovo de cristal que reflete os acontecimentos em outro planeta, uma flor que devora alguém. E a terceira: a das coisas impossíveis – um homem que volta do futuro com uma filosofia futura, um outro que volta do mesmo tempo com o coração situado à direita, ou com o corpo todo invertido, ou espelhado. Entre Verne e Wells há mais Wilde do que as razões humanas de um escritor tentando invalidar a fé momentânea que a arte exige de todos nós podem nos convencer. Abre a garrafa de água mineral, despeja o conteúdo em um copo translucido, mete a cápsula na boca e derruba um gole grande por cima. Os ácidos estomacais tratam de desmanchá-la fazendo o seu tríplice conteúdo entrar na corrente sanguínea. Em um minuto e meio está tudo acabado. De olhos fechados descobre que desconfia da sua própria inteligência, como desconfiaríamos da inteligência de um Deus que mantivesse céus e infernos. Espinosa aparece com uma bússola na mão e diz: Deus não quer mal a ninguém nem quer bem a ninguém. E ele mete o dedo na goela o mais rápido que pode, põe tudo para fora de uma só vez e respira fundo o ar da manhã que se avizinha. Em seguida levanta-se, cambaleia até o espelho e se vê como de fato é.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

025

Mais um dia como outro qualquer. A não ser pelo fato de que uma pequenina erupção cutânea aparece-lhe no cotovelo. Coça, arde, esfrega. A coisa cresce. E a noite traz-lhe uma festa. Suja o vestido branco da amiga da sua amiga de sangue. O que poderia ter rendido lucros e dividendos acaba ali mesmo. No exato momento. Vai para casa sozinho. Toma um banho quente, um copo de leite e deita-se nu. Adormece. Durante a madrugada é acordado pelos roncos de um velho ao seu lado. Emite um berro e salta da cama. O velho junto. Corre para o banheiro. O velho junto. Quem é você?! O que quer?! O que faz aqui?! O velho: eu é que lhe pergunto. Como assim! O senhor entra na minha casa, deita – sabe-se lá por qual maldita razão, pelado na minha cama, dorme, ronca, me acorda, me dá um susto, levanta comigo, vai aonde eu vou e tem a desfaçatez de querer saber quem sou eu, o que eu quero e o que é que eu faço aqui na minha própria casa?! O senhor é louco por acaso?! Por acaso não, não sou louco, reponde o velho. E além do mais a casa é minha. E eu vou chamar a polícia. Tive um dia muito estressante. Com dores no cotovelo, brigas em uma festa e um homem roncador pelado na minha cama a me acordar de madrugada! Ei, aonde o senhor vai?! AAAAAAAhhhh, soltam em uníssono ao romper a pele que ligava os dois pelos cotovelos. O sangue abunda dos braços de ambos. Olham-se apavorados e quase se reconhecem. Apesar da grande diferença de idade, são muito parecidos. Mas, sabem, não são pai e filho.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

024

Cansada. E era só. Cansada de mentir e manipular. Quando se formou no Curso de Direito, já sabia onde queria estar. Não importava o custo disso. E custou-lhe a paz interior. Tal o esforço e o tempo despendido. Agora o fazia pelo filho. Amealhava mundos e verdades, justificativas e pseudo bondades. Envolvia quem quer que fosse até prejudicando aqueles a quem demonstrava carinho em público. Ave de rapina em pele de cordeiro!, reconhecia o marido. Que não saída de perto, talvez por medo da reação, talvez por não ser tão diferente dela quanto imaginava. E quando o filho, tomado pelo que aprendera com a mãe através do convívio e da observação, aplicou-lhe o próprio veneno, sentiu-se doente. E sem distanciar-se da sua natureza, deitou-se na cama e morreu. Até matar o filho de remorso e o marido feito Romeu.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

023

Ao tirar a tampa nota que o que tem dentro não é o que esperava. Pensa em colocar a tampa outra vez, mas sabe que a curiosidade não o deixará. E antes que possa ter claro é puxado para dentro. Não possui bem certeza se está a gostar do ocorrido. Recebe dois chamados ao mesmo tempo. Um para continuar sendo quem é; outro para seguir a trilha obscura. Por um lado caminha, por outro rasteja. Estivera em pesadelos a noite toda e pensa estar em mais um. Surge o dragão. Ao invés de fogo, cospe palavras desconexas. Ele escuta todo o turbilhão e, sem saber como, entende a mensagem. O Monstrengo é um Guardião de Limiar e ele tem de decifrar um enigma. Cogita dar meia volta e tentar correr; ou atacar o oponente de frente; ou tentar enganá-lo; ou suborná-lo; ou aplacá-lo; ou transformá-lo em seu aliado. Mas no fundo sabe que a melhor maneira de lidar com a besta é entrar no corpo dela. Assumir sua alma. E é o que faz. Recita as palavras certas e logo está lá. Sente o corpo arder. A mente faiscar. E entende tudo de uma só vez. Todos os segredos do Universo, os axiomas científicos, as possibilidades da psique. Por um momento é o senhor da vida e o mantenedor da morte. Vê todo o passado, todo o presente e tudo do todo que virá. Para sempre. Até o final dos tempos; e além. E deseja profundo ter nascido jumento. Faz força para sair. E desvenda que já é de manhã. E descobre também que ali onde está não há despertadores.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

022

Eu cheirava mais uma vez o livro novo em minhas mãos. Metia o nariz entre as páginas e aspirava profundo. Lembrava dos tempos em que não tinha dinheiro para comprá-los, e afastava das narinas os da biblioteca pública da minha cidade. Eu lia com os olhos. Com os olhos de Lia, eu sonhava. E sonhava não dormir para nunca deixar de vê-los. Novelos que minha avó consumia ao tramar presentes futuros para um passado infinito fio condutor. Conduzia o bem; ao ponto; o bife que minha mãe fazia na frigideira de ferro fundido; um molho enferrujado cobrindo as cebolas e as ervilhas e depois o arroz branco e solto. Soltava pipa e imaginação ao cair da tarde. E tarde foi o dia em que cheguei a prestar contas de mim para mim mesmo sobre os tempos desperdiçados sentado onde Lia; e ela me fugia. E ela era tudo o que eu queria. Mas nunca obtive. Encontra-se morto quem na prática não vive. E vivi para ela. A lia. E ela nem existia.

domingo, 29 de agosto de 2010

021

Um homem, Josué Campoamplo, nasce na Porto Alegre das praias limpas. Aprende sobre o mundo e lê na solidão de sua biblioteca os textos malditos que falam que o universo é uma emanação da Unidade e um dia retornará à Unidade, e que as formas universais não existem fora das coisas. E que a alma dos seres humanos tende a transmigrar para o corpo dos animais. E ele crê no que lê, ou se diverte com a ideia de crer. E o seu maior desejo é obter reconhecimento. Em um dia de sol a pino em pleno inverno, Campoamplo deixa a sua morada situada no bairro Cidade Baixa e passa a falar com cães vagabundos. E aprende com eles astronomia, álgebra, apologética, poesia, culinária e medicina. E escreve, durante a tarde, um tratado de duzentas páginas de uma só vez, sem voltar para reler ou para revisar o que escreveu, sobre Deus e a fé, no qual afirma que Deus, talvez exista, talvez não, e como não há possibilidade de provas, nem para um lado, nem para o outro, não há razões para desperdiçar vida com o assunto. Assim sendo, a fé em ambos os lados e em outros mais é que deve imperar. Enquanto escreve, tem uma premonição. E morre em seguida, na hora do pôr do sol. O manuscrito desaparece e jamais é encontrado.


Sete décadas depois, em um dia de inverno de sol a pino, nasce, fazendo parte de uma ninhada de sete, em pleno Parque Farroupilha, um cão franzino que é adotado pelos frequentadores do parque, os quais, por algum inexplicável motivo, lhe dão comida e afagam a sua cabeça todo dia. O cão fica conhecido na cidade por fazer companhia aos frequentadores mais solitários que conversam com ele sem o menor temor de serem tachados de loucos.

sábado, 28 de agosto de 2010

020

Sim, não há caminhos; eles são feitos ao andarmos. E, para evitar voltar atrás, costumo apagar os meus rastros. Até o dia de encontrar o velho. Cabelos desgrenhados, barba longa e espevitada. Manhã de sábado. Vamos ao meu apartamento, fala sem mover os lábios. Por lá, os livros se acumulam pelo chão. Bebe alguma coisa?! Vinho?! Água?! Vinho e água?! Água, por favor. Traz-me vinho, o velho. Bebo um bocado e tenho vontade de cuspir. Olha-me, o velho. Engulo outra vez até entornar todo o conteúdo. Sinto náuseas. O que bebeste não era vinho, me diz ameno. Era sangue. Sangue?!, retruco. Sangue de quê?! O termo exato não é “de quê”, mas “de quem”. A vizinha do 402, Ariadne, desapareceu há três dias. E o cachorro dela, Teseu, também. O velho ri e balança a cabeça. Ri e balança a cabeça. Ri e balança a cabeça. Não enxergo direito, falo. E as imagens e os sons parecem me chegar em ondas. Me chegar em ondas. Chegar em ondas. Tu recebeste um presente. Um presente. Um presente. E o chão vira céu debaixo de mim. E o velho ri. E eu já não estou mais.







Quando acordo, me vejo em pleno sono. E meus rastros não podem mais ser apagados. O que não faz a mínima diferença. As paredes são altas demais e ando de lá para cá. Exausto construo asas de cera e penas e me dirijo ao sol. Quando chego ao solo já sou o pai, e o velho se foi. E a polícia está no prédio. Fazem perguntas. Digo que foi o velho. Do trezentos e dois. E dizem que não há velho no trezentos e dois. E que no trezentos e dois morava um casal jovem com um cachorro, que desapareceu; junto com a dona, que Dédalo, o gato do vizinho, comeu. E sinto o aço frio em meus pulsos.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

019

Escrever é um ato solitário, como solitário acaba por se tornar o escritor. Não é como outros que se agrupam para trabalhar. E saem para as suas horas felizes ao final do expediente. Brindam e tilintam ao falar mal dos chefes. E os chefes de seus chefes. Enroscam-se, comentam sobre suas vidas pessoais, seus problemas conjugais e acabam na cama. Todo dia; o escritor conversa. Fala de si, debate sobre assuntos diversos, pede auxílio aos deuses – que vem em forma de ideias impressas em papeis de diferentes texturas e gramaturas e, como as gentes, cheiram bem quando nascem e passam a feder à medida que se desmancham em algum canto escuro e úmido da casa. O escritor relaciona-se em demasia. Tem muitos ao seu redor. Esbraveja contra o chefe que não possui. Toma café, lê os jornais. Tudo em silêncio e sem interrupções. E faz a sua hora feliz durante o sono. Repara dor. Ou quando está na rua a perceber. Nada escapa. É a festa dos olhos. Dos olhares. E passa em frente ao bar. Lá estão todos, ao final do expediente. Repara e reconhece. Volta para casa e espera. Escritores deveriam viver entre escritores. Não com os outros, os que se agrupam para trabalhar. Mas são seres solitários. Conversa em silêncio enquanto limpa as manchas vermelhas sobre o piso frio.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

018

Em dias de guarda-chuvas abertos as lágrimas passam despercebidas; e, não suportando a concorrência, tendem a desaparecer.

Pensei em acreditar no provérbio por mim recém inventado. Cocei a cabeça, olhei para o alto. Lembrei de Bertrand Russell: a evidência é sempre inimiga da exatidão. Éramos três. Eu, ela e ela. E elas se davam bem. Jamais antes disso eu havia me considerado um homem de sorte. Palavras sim, essas eram a malha fina que nunca se abandonavam de mim em perfeito estado. Quando criança sempre tive problemas por não saber me explicar. Formular pensamentos, unir as letras uma a uma, e depois as palavras em frases e então construir uma narrativa. Ter uma história para contar era o que se dizia em meu lar. E na escola: na escrita séria jamais rimar. E eu cresci considerando-me fora do lugar. O mundo é de quem não ri, pensava. E de quem ama uma vez só. Depois fiquei sabendo que se podia amar outras vezes; mas nunca ao mesmo tempo. Fui calculista em um tempo em que a matemática estava fora de moda. Durante a faculdade de letras eu perguntava quem tinha maior valor: o aluno de letras ou o futuro neurocirurgião?! Dá o rabo pra eles então, argumentava o Gledson; que não comia ninguém, mas tinha total consciência do seu potencial com as mulheres “enquanto intelectual”. E jamais se permitia, em um texto, à rima chegar. E tinha o irmão dele, estudante de lá, que acabou condenado por tentar matar quatro mulheres, em fases diferentes, por causa da mania de todas elas de sair para dançar. Ele querendo escrever: começo, meio e fim; filosofia, sociologia, Deus não existe e eu posso provar; tudo sem rimar; e elas querendo dançar. E eu desenhava nos livros; e escrevia merda na redação. E imitava o estilo dos autores que eu mais gostava. E lia, relia, misturava e lá saía – literatura não deve ser como dente guardado que não acaba nunca. Tem de permanecer na boca, onde é inevitável o apodrecimento. E o escárnio vinha certo. Olha lá o cariado!!! Rarrá, rerré, rirrí. Depois eu resolvi trocar de curso; e fui ser eu mesmo. Amar não é somar, nem subtrair; nem dividir, nem muito menos multiplicar. Amar é só amar. E conheci a primeira. Fui feliz sem me permitir. E caminhei sozinho. Almocei ovos e morei no sofá. E li, li, li e li. Arquitetei um futuro. E comprei um chapéu todo de papel. E separando o lixo seco do joio e do trigo, conheci a segunda. Somei, subtraí, dividi e multipliquei. Cheguei à regra de três, invertida. Quando apresentei uma à outra, a paixão foi imediata. Pegaram-se como bolinhas em lã de baixa qualidade. E eu no meio. Só olhando. Depois metendo. Um pouco aqui um muito ali e daqui a pouco tudo embolado e em cima e embaixo e de lado. E bem próximo e afastado. E fui ficando muito, mas muito mal acostumado. E foi aí exato que deixei de pensar em mim como um azarado. Coisa bem boa ser feliz rimado.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

017

Nunca aprendi a dizer adeus; mesmo adeus sendo o que sou.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

016

Volto àquele café toda a segunda-feira. Fica em uma região abastada no saguão de entrada de um prédio comercial onde circulam muitos médicos, representantes de laboratórios, pessoas idosas, funcionárias bem vestidas e gestantes. Sento por lá, leio um livro ou saco o meu caderno de notas e escrevo sobre o que vejo. Nunca converso com ninguém. Meu único contato verbal é com as simpáticas atendentes do café, e apenas para fazer o meu pedido e solicitar a conta. Chego sempre lá pelo final da tarde e costumo gostar do que vejo.


O dia fora bastante atípico hoje. Trinta e um graus em pleno inverno. Coisas do sul do país; ou do aquecimento global; ou do simples e inexplicável desejo de calor da grande maioria. O ar condicionado emite conforto mais para o gelado. Meu chapéu resolve as adversidades climáticas, e chama a atenção de uma dessas mulheres quase prontas para colocar seres neste mundo. O nariz é uma batata doce. A cintura, uma abóbora moranga. Os seios: melhor nem falar. A boca concentra toda a produção de hormônios do corpo em expansão. As pernas mais do que roliças. Os cabelos presos com um lápis atravessado. O sangue quente. A pele doce. Uma bela mulher.


Olha-me e sorri o tempo todo. Um sorriso confuso; de quem está prestes a inserir um ser com total inaptidão ao que lhe reserva o meio. Retribuo o sorriso; embora bem mais confiante. Os lábios dela recebem nova carga hormonal. Passa a mão pelos cabelos; solta o penteado. Mexe nos brincos. Fecho o Rubem Fonseca, o bloco de notas, ergo-me da cadeira e me aproximo. Peço licença para sentar. Ela dá de ombros sorrindo de canto de boca. Adorei o seu chapéu, diz, deixando à mostra alguma timidez. Não existem mais homens a usá-los hoje em dia, continua. Só os mais corajosos, emendo. Ela solta uma gargalhada contida, cônscia de que há uma testemunha dentro de si. O que você faz?!, fala em tom de quem está quase a trocar de lugar com quem está chegando. Bebe mais um bocado do seu suco de laranja sugando voraz o canudo de plástico. Sem dúvidas um felizardo. Aqui, digo, inicio uma conversa com uma bela mulher. Para viver: escrevo. Um escritor?!, espanta-se. Nunca conheci um, excita-se. Nem eu, respondo sério. Gargalhada para dentro outra vez. Seus olhos brilham.

É nesse exato momento que me furto das demais indagações e passo a usar o método incondicional que consiste em obter respostas sem fazer perguntas.

Olho fixo bem dentro da cor dos olhos dela até as suas pupilas se dilatarem. Em seguida nos levantamos e saímos.





Ao chegarmos ao meu quarto de hotel a três quadras dali, fazemos o que tem de ser feito.










De manhã ela me pede em casamento. Eu digo que ela já é casada. Ah, é!, ela responde. Lançamo-nos ao desjejum em silêncio no salão do hotel.



Levo-a até a porta. Para quando é o bebê?!, interesso-me. Para agora!, faz cara de dor. Acompanho-a até o ponto de táxi, espero-a embarcar, e torço para que seja uma menina.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

015

Noventa mil tambores acompanham a sua fala e a força de nove mil elefantes reforça as suas ideias. Está acima das divisões entre platônicos e aristotélicos. Está vivo e pronto. Enfrentaria desde Parmênides, Platão, Espinosa, Kant, Francis Bradley e Ariosto Petrovitch Buchanambridge; a Heráclito, Aristóteles, Locke, Hume, William James e Joshua Jay Fronzier. Acaba de criar a filosofia Kspar que lhe dará fama e fortuna. Em breve será a maior de todas as novidades e ainda poucos a conhecerão. Mais tarde abrangerá o mundo todo e sua vitória será tão vasta e fundamental que seu nome será inútil. Ninguém se declarará ksparialista porque não haverá quem seja outra coisa. E dirá de si mesmo que não passa de uma tese muito bem construída e que por isso apodera-se de quem lhe dá ouvidos. E implantará o terror e a liberdade em nome da palavra desfeita. E será esplêndido em toda e qualquer empreitada. E terá dias de compreensão e rumores de ameaças. E será banido para terras inexistentes assim que descobrir que não é outro senão ele quem desencadeia a sua própria fúria. E se rebelará contra si mesmo. E voltará ainda mais forte e determinado. E saberá que deverá encontrar alguém de instinto forte e alma doce. E a encontrará, mas não a reconhecerá. E apontará para si em tom de ameaça. E aplicará o rufar dos noventa mil tambores e a força dos nove mil elefantes contra si mesmo. E desejará nunca ter existido. E derrubará uma lágrima. E desaparecerá.

domingo, 22 de agosto de 2010

014

Contar histórias era a sua participação neste mundo. Contar histórias era respirar debaixo d’água. Contar histórias era abdicar da vida em prol da própria vida. Em uma segunda-feira de chuva fina e frio moderado, publicou um livro. Mas o fato era que seu livro não projetava a imagem de uma doutrina ou de um procedimento dialético, nem de uma história nos moldes e acepções tradicionais do termo, mas a de um poeta perdido no tempo, no espaço e nos procedimentos usuais relacionados metaforicamente ao músculo cardíaco.

No tempo, porque se o futuro e o passado são infinitos, não haverá realmente um quando; no espaço, porque se todo ser é equidistante do infinito e do infinitesimal, também não haverá um onde; e nos procedimentos usuais relacionados metaforicamente ao músculo cardíaco, porque, embora, tirando a guerra, a miséria, a doença e a fome, tudo seja poesia, ele jamais fora capaz de se entregar totalmente a alguém.

E o livro se apresentou um fracasso e ele nunca mais escreveu outro. E jamais voltou a contar histórias. Mas, ainda que confuso e desajeitado, ansiou profundo por ser amado, e passou a pensar rimado.

sábado, 21 de agosto de 2010

013

Nas manchas da lua ele acredita divisar a forma de uma donzela que, por sua vez, em tempos de luxúria, em uma de suas outras mortes, quando ele morria de amor, abasteceu-lhe de carinho, sexo e compaixão. Ao safar-lhe do fogo solar dos dias intermináveis, trazendo-lhe noite a qualquer hora e com isso o arejamento da alma, fez com que ele sucumbisse aos encantos da literatura de próprio punho e, assim, adiasse a partida para muito além das próprias expectativas. E foi-lhe grato mais tarde quando as frases alinhadas em textos vieram a público por conta de um novo amor. Justo aí ela se foi para nunca mais voltar.


E, desde então, sempre que está apaixonado e com medo de morrer de novo, olha para a lua e consegue vê-la acenar e, convidativa, abrir-lhe as pernas mais uma vez.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

012

Parto para dento do dia como quem se ilude de tanta paixão. Visito algumas terras do reino dos despertos e peço a mim mesmo para me deixar ser feliz. Encontro com ela logo no elevador. Pedido feito, pedido aceito. Agrupo minhas canetas Posca por ordem de (des)cores; pretas, cinzas e brancas. Chego ao local desejado, meto o dedo na goela e vomito todo o meu potencial. Agora sou um astronauta, um urso de pelúcia mal intencionado, um ser de orelhas tubulares vestindo terno e gravata, um louva-a-deus morrendo de medo de perder a cabeça. Escrevo sem usar letras.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

011

Em meio aos fogos de artifício resolvi que a frase “bem-aventurados os inadaptados, porque deles é o Reino das Mudanças” seria o meu bordão. Notei que no centro do apartamento havia uma cama de marfim revestida de ouro e fios de prata e platina com duas ostras de esmeralda verde. E que apesar de minha, a mim não pertencia. Pude ver uma luz a piscar; reflexo dos fogos rasgando a escuridão, ou o neon dos meus dias imaginários de alegria feito noites tristes de inverno. Sobre a cama não havia ninguém que se pudesse notar. Levantei-me, saí do quarto e perambulei pela casa. De aposento em aposento, de soluçar em soluçar, de golpe em tudo de melhor alcançar, apesar do barulho da multidão, acabei por esquecer os últimos eventos que se sucediam aos habitantes da cidade. Resolvi dar uma checada na torre, de onde se podia ver todas as vidas e seus desdobramentos urbanos. Abri uma das portas e botei o pé para fora. Quando respirei o ar gelado me distraí a ponto de negligenciar a mim mesmo e ser colhido pela noite. Eu tinha medo de dormir; e acordar como Gregor Samsa. E eu queria; queria muito. Procurei então a porta da torre pela qual entrara, mas já não a reconheci. Deambulei por algum tempo por dentro da escuridão sem encontrar nada nem ninguém que me servisse de abrigo. Deitei-me no chão e me cobri com minhas parcas lembranças, frases soltas, faltas graves e alguma esperança








                                                                                      e então a aurora me alcançou e eu parei de purgar. E pensei em como seria construir uma história agradável e insólita ao mesmo tempo. E respondi para mim mesmo que isso não era nada perto do que eu poderia me contar na próxima noite; se eu sobrevivesse a mim, e a mim me preservasse para me autoescutar.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

010



Toda a sua vida havia sido apenas um ensaio geral para a rarefeita reclusão de agora. Encontrava-se em desencontro permanente. Há dias pedia socorro, mas ninguém o escutava. Não falava. Repelia-se por dentro. Com exceção de um gasto sorriso amarelo para os já acostumados, todas as páginas de seu diário de bordo estavam em branco. Nascido em algum lugar da terra, em algum dia de algum ano, perambulou por todos os extremos sem sair de casa, em endereço desconhecido. Chegou a embarcar em um trem expresso central repleto de passageiros olhando para o nada. Era óbvio que vinha de outro lugar: parava com os pés voltados para dentro. Pediu perdão algumas vezes; mesmo sem saber por quê. Nunca parecia ter ideia da inconveniência que acabava sempre causando. Jamais era ele mesmo justo quando mais precisava ser. Sabia como sabia permanecer calado, que o destino de toda companhia é a separação. Ele tinha esquecido de como era a música, e bebeu no gargalo mais um gole da sua cerveja preta, enquanto pensava que masturbação podia ser uma boa saída. Foi até o banheiro do bar e reativou os dias em que desconfiara ter sido feliz. Tom Waits, carne assada na brasa, beijos no pescoço e uma boa história para ler. Cuspiu no vaso, deu descarga, lavou as mãos e saiu para dentro do mundo.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

009

Ao caminhar preciso de atritos e arrepios. Assim sou. Sou homem do vento. Ar que circula coisas que passam vida que flui. Mas a maioria das pessoas não gosta do vento. Algumas têm pavor até. Não conhecem as propriedades curativas e preventivas do ar em movimento. Penso que já escrevi sobre isso. Em algum lugar. Uma calçada talvez. Também tenho essa mania. Ao escrever preciso de atrito; e arrepios. Sou homem do giz na calçada. Já escrevi inúmeros romances. Permito-me raspar os pensamentos. Entregar as sobras à sorte. Escrevo isto aqui, agora, na calçada em frente ao prédio chique da avenida movimentada. Venta bastante. Os restos colam em mim. Outra parte é levada sob as solas dos sapatos. Logo virá alguém para me expulsar. Sempre acontece. Já estão todos me olhando. É tudo muito intenso. Comprei um chapéu para me proteger; das migalhas; dos pensamentos. Preciso de cobertura. Ao me resguardar não sinto as roçaduras; nem os frissons. Sou homem do chapéu. Vez ou outra alguém me atira uns trocados. Não me importo. Levo ao bolso. Foi guardando todos que comprei a vestimenta de cabeça. O giz é legado. Da época em que eu ensinava. Uma época em que se usava giz para se fazer entender. E todos entendiam. Em cada texto que escrevemos há sempre uma parte da qual nos arrependemos, diz o escritor. Em parte por medo de não sermos bem interpretados; em parte por medo do ridículo. Eu nunca sei qual é a minha parte. Eu nunca soube. Jamais me lembro do que escrevo; e nunca tenho a chance de me reler. Sou homem do vento. Do giz na calçada. E do chapéu que me dá cobertura.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

008

Ao longo do aceno perdido no ar me vejo bem perto do desmoronamento. Antes eu ainda fosse a caixinha de chicletes ou o livro para passar o tempo enquanto o tempo não passa. Antes poder ter uma vida palindrômica. Ser belos versos sotádicos – antes eu ainda fosse antes; jamais me trairia; amar-me-ias tu; eu pensava: bem viver seria. Mas não há hipótese sagrada para sempre; nem vida que vá e volte. Voltar volta, mas sempre diferente. Um passo para trás, dois para frente. Um urso polar a viajar em cima de um extenso bloco de gelo. A gente em uma foto em capa de revista. Eu deveria ser mais turista. A bagagem já etiquetada. Despachada displicência. Nos meus bolsos: notas fiscais, bulas de remédio, dinheiro em notas de valores variados. Canetas, chaves, bilhetes; mapas, dicas, cartas de despedida, papeis em branco, comprimidos para a dor. Eis que passei por noventa e nove aposentos, na centésima porta estaríamos nós e nossos motivos. E eis que virei algumas folhas do livro sem ler. Foi onde perdi o que jamais poderei compreender. Última chamada, anunciam os microfones, última chamada. Uma espécie de sorriso por entre os fios de cabelo. Vejo meu amor se afastando através do vidro. Minha mão ainda no ar. E já não tenho mais nada. Nem mesmo a certeza de que tudo aconteceu de fato. Pode ser que eu tenha estado o tempo todo com o amor de outra pessoa. Ou com a pessoa de um ou outro amor. Pode ser que eu reescreva umas páginas. Pode ser que eu nunca mais me veja até o amanhecer. Pode ser que eu pule tudo e leia só o final. Pode ser que não possa ser, e tenha sido apenas um caso banal. Pode ser que eu esteja dormindo; e estarei aqui quando acordar; bem aqui no mesmo lugar.

domingo, 15 de agosto de 2010

007

Antes da chuva há sempre um aviso. Ainda que a chuva não venha é possível saber que ela se fez presente. Um dia nublado. Um rádio ligado. Denúncias de desordem e crimes do coração. Um casal à beira das impossibilidades. Ela estava para entrar a qualquer momento. Ao menos eu ansiava por isso. O casal falava sobre chip e telefonia móvel. Bem em frente: um motel de nome Avalon. Eu via tudo através do vidro que compõe a porta automática. Abre, fecha. Nem cheiro. O gosto era de mocaccino. Se ela entrasse agora eu viraria nitroglicerina! E para descrevê-la eu teria de apelar para as metáforas sobre filigranas, bífores, passos no corredor, sarcasmos e movimentos repetidos. Para descrevê-la eu teria de ser genial. Se as verdades não são absolutas, absolutas também não podem ser as mentiras. O casal não discutia. Apenas pedia mais dois pães de queijo e horas para passar. Puxei meu caderno preto à Moleskine e anotei três pensamentos. Fiz um desenho também. Gostava de ilustrar minhas angústias; para imaginá-las depois em Amarelo Ocre ou Azul da Prússia. Adorava pedir mais um café e seguir divagando; gesticular por dentro era meu passatempo predileto. O casal, então, falava dos filhos e do custo de vida. E folheava revistas enquanto fingia se conhecer. Alguém entrava. Não conseguia saber ao certo. Poderia ser Morgana em companhia de Arthur; Viviane com seu mago e guru barbudo; eu e minha esperança descabida. Os primeiros pingos demoravam a cair. O casal havia desistido das revistas e trocava pedaços de pães de queijo com alguma violência. Brumas dominavam o ambiente externo. Lá dentro: frutas vermelhas desabando dos céus. A Porta automática a se abrir mais uma vez. Sete passos hipotéticos na minha direção. Uma fala tatibitate. Eu prófugo de mim. Maçãs meteorológicas se apresentariam como o prato do dia, certo; se eu, no momento de virar nitro, não pedisse apenas mais um café.

E a chuva veio e permaneceu por todos os anos que se seguiram.

sábado, 14 de agosto de 2010

006

Ela possuía grandes olhos e uma caneta Bic no bolso de trás. Eu não estava longe e, quanto aos olhos, só podia imaginar. Tudo ocorrera em uma madrugada de pontos luminosos. Alguns atos reflexivos nunca se perdem; por esperar, foram-se quarenta anos. E depois de tanto tempo fica difícil ir ao mar sem rever velhas decepções disfarçadas de melancolias. Por meia vida foram só percepções, impulsos, olhares, suposições e covardias. O mais honesto seria botar a culpa em alguém. Mas há um ponto do maduro que não permite mais os verdes. O ponto mais duro. E tudo vira saudade; até do que não leva a ela. O lugar é quente. Eu de casaco, manta, camisa de lã, botas e chapéu. Torço para que a caneta estoure. A mancha será em oval; e aniquilará com a calça. Sobrará também para os dedos; para as unhas; na hora da descoberta, na há como evitar. Eu poderia avisar. Mas agora sou mau. Dou até conselhos sobre como agir; em caso de desapontamento, procurar rapidamente o que fazer. Resta sempre o depois da meia noite e seus pontos de re-pós-iluminação. Eu precisava de uma taça de Malbec argentino e o calor do nó de pinho. Eu precisava rever conceitos; mais uma vez. Eu precisava não precisar. Impreciso, apressei o passo. Ela virou a esquina. Virei atrás. Não havia mais chão; nem céu, nem possibilidades de olhos grandes; ou manchas ovais. Só eu, a taça e a chama; ah, os pontos luminosos; e uma improvável certeza: nem se usa mais; canetas para reescrever.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

005

Ao findar do sonho meu pé vaza para fora das cobertas; cabeça, corpo, membros e ectoplasma a escorrer pelos degraus em caracol; lactobacilos vivos da geladeira em aventura até a boca. Algum farináceo. Dentes na escova; chuva encan(t)ada. Escolhem-se as roupas. Porta da rua; viagem no elevador; pá, buum, screeeech, uóóóóó, vraaam, vraaaaaaammm; cinco minutos: portão da escola. Uma mochila com um guri à frente vindo na minha direção. Nossos olhares se encontram; o sonho recomeça.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

004

Eu estava desconectado ao longo de todo o dia tentando buscar alguma paz interior. Meu e-traficante não havia aparecido. Talvez tivesse ficado doente ou pudesse ter sido preso. Eu voava assim mesmo. Quicava por dentro. Teria escolhido algo para relaxar se ele tivesse vindo ao meu encontro. Havia um som que me levava a desabar de mim. Eu sentia adormecerem as extremidades. Depois um formigamento percorria meus braços e pernas e subia até a nuca. E logo meu crânio se dissolvia para dar chance ao cérebro. E as tartarugas voadoras e os esquimós de cabelo moicano e os elefantes em trajes de gala e os jacarés com bico de pato começavam a dançar e a falar sobre amenidades filosóficas. E eu pensava em Zelda. Fantasiava viver no interior do seu bolso. Um isqueiro que, vez ou outra, acaba tendo atenção ao ser agarrado e acariciado e levado à luz e aos calores da chama. Zelda a me carregar próximo a um dos seios. Eu a roçar o bico. Zelda a me usar para chamuscar a ponta do seu cigarro; ou para extirpar um fio de linha de sobra na calcinha. Um cheiro bom. Zelda me clicando para assar um bolo de laranja. Eu ali para fazer crescer a massa. Eu fermento. Zelda à beira da xícara. Zelda líquida. Café. A água quente por minha conta. Zelda tonta. Tirei a roupa e fui escorregando para debaixo do sonho. Cobri-me de beijos, afagos e carícias até a cabeça. E caí no buraco feito Alice. A campainha tocou por vinte e cinco anos. E eu preso no bolso da camisa xadrez agora dependurada no encosto da cadeira.